Major do Corpo de Bombeiros, defensor público, professor universitário. Três homens gays que inspiram a comunidade LGBTQIA+ com suas realizações em Mato Grosso do Sul. Da posição em que ocupam hoje, eles enxergam histórias e ajudam na construção conjunta de políticas públicas para todo o Estado.
O 25 de março é o Dia Nacional do Orgulho Gay, uma das datas do calendário da comunidade LGBTQIA+ para lembrar a mobilização e a luta pela igualdade de direitos e pelo respeito à diversidade.
“É importante nós identificarmos, num dia como esse, pessoas em todos os segmentos, desde a universidade à corporação que possam de fato afirmar que elas existem, que são importantes. É fundamental dizer que a população tem no poder público e na vontade do nosso governador e da Setescc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania) a implementação e garantia de direitos para todos e todas as pessoas”, destaca o subsecretário de Políticas Públicas LGBT+, Vagner Campos Silva.
Mato Grosso do Sul é referência nacional de implantação de políticas públicas para a comunidade LGBTQIA+, além de ter sido o primeiro estado do País a criar uma subsecretaria.
Bruno Vilela – major do Corpo de Bombeiros
“Ser bombeiro, apagar fogo, socorrer as pessoas, fazer atendimento de primeiros socorros, isso me brilhou os olhos. Eu sou apaixonado hoje pelo que faço. Sempre quis fazer algo que ajudasse as pessoas, então me realizei nessa parte”, conta o major Bruno Vilela, de 37 anos.
Não era sonho de criança se tornar bombeiro, mas foi nesta profissão que Bruno Vilela se encontrou depois de se formar em Farmácia Bioquímica e prestar o concurso para oficial do Corpo de Bombeiros.
Dentro da corporação há 12 anos, o major é instrutor da disciplina de combate ao racismo e a LGBTfobia, uma exigência tanto da Secretaria Nacional de Segurança Pública como também do Governo do Estado.
Na prática, ele passa conceitos iniciais do que é identidade de gênero, orientação sexual, sexo biológico, e explica o que significam as letras LGBTQIA+. “Passar este tipo de definição é também levar a reflexão, porque a gente sabe que o militarismo ainda é machista, um pouco misógino, não que seja proposital, mas estrutural”, comenta.
Para o major, a data de 25 de março é um dos dias em que sente orgulho de ser quem é, e o peso também da responsabilidade.
“Eu tenho orgulho não só no dia 25 de março, mas também em maio e junho. Eu sou uma pessoa cisgênera, branca e que hoje tem um status, mas não posso fechar os olhos e ficar apenas olhando para a minha bolha e não olhar para o lado. Eu tenho que reconhecer meu local de processo e usar essa minha posição de privilégio para tentar fazer mudanças na vida das pessoas. Meu desejo enquanto homem gay é uma sociedade livre de preconceito”, enfatiza.
Mateus Sutana – defensor público de Mato Grosso do Sul
“A Defensoria Pública sempre defendeu, sempre vai defender os direitos humanos. É a essência da nossa instituição, mas ter um núcleo com esta sigla específica, de Direitos Humanos, é mostrar que o trabalho defende de forma coletiva também os direitos da população LGBT”, fala o defensor público de Mato Grosso do Sul, Mateus Sutana, de 38 anos.
Foi o estágio na Defensoria Pública de Minas Gerais, estado de origem de Mateus, que lhe trouxe para o lado de quem escolheu lutar pelas minorias. Há 10 anos como defensor no Estado, Mateus Sutana é coordenador do Nudedh (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos) e participa ativamente da criação de políticas públicas e da implementação delas na sociedade.
Na lista de conquistas para as políticas públicas, está compor comitês, comissões e conselhos discutindo a temática, além de incluir no sistema de registro de ocorrências da polícia do Estado a tipificação para crimes de LGBTfobia.
Ser defensor público não blinda Mateus do preconceito, mas é justamente no meio jurídico que se constroem as políticas públicas.
“É difícil a gente falar que em algum ambiente não existe preconceito, todos os ambientes são permeáveis. O ambiente jurídico é um ambiente mais formal, mas é neste meio, do judiciário, onde a população tem conquistados os maiores direitos como o casamento, a adoção de crianças por casais homoafetivos, e diversos outros. Então, é, de longe, um poder que diz muito do resgate da população LGBT”, pontua.
Na data em que se comemora o Dia Nacional do Orgulho Gay, Mateus Sutana afirma que ser defensor pode servir de inspiração para a comunidade. “Precisamos de mais pessoas que estejam em cargos para poder fazer uma mudança real no âmbito social”.
Tiago Duque – professor universitário
“Eu não sou só gay, sou professor de humanas, sou um professor negro, um professor que estuda gênero e sexualidade e que veio do interior tendo uma origem de educação caipira”.
A fala do professor universitário e pesquisador da UFMS, Tiago Duque carrega consigo uma visão crítica de quem não necessariamente “celebra” datas, e sim as problematiza.
Morando e atuando em Campo Grande desde 2014, o professor de 45 anos, a escolha em ser professor veio da intenção de seguir não só ensinando, mas trabalhando a temática dentro e fora da universidade.
Apesar dos avanços, Tiago Duque pontua que os desafios ainda são maiores e convida à comunidade a refletir sobre as comemorações.
“A noção de orgulho é bastante conservadora, é como se a comunidade afirmasse que ela quer ser igual à comunidade hetero ou que busca os mesmos direitos que já existem para outras populações. Isso é justo, é legítimo, mas ainda é bastante limitador, porque boa parte da comunidade LGBT não quer viver como hetero. A comunidade LGBT tem um poder que está para além do orgulho, é quase como politizar aquilo que causa vergonha e constrangimento porque a moralidade precisa ser enfrentada”, finaliza.
Texto: Paula Maciulevicius, Setescc