São 10 portões de ferro para se chegar da rua à quadra. No pátio, o presente não é nem o prêmio sobre a bandeira LGBTQIA+, e sim o céu azul e o sol. Entre as palavras de boas-vindas, o grupo se atenta para a divisão de times, são quatro a disputar o troféu do 2º Torneio de Vôlei LGBTQIA+ 2023 no IPCG (Instituto Penal de Campo Grande).
Em maio, no Mês da Diversidade, a Subsecretaria de Políticas Públicas LGBTQIA+ incluiu, pela segunda vez, na programação o torneio de vôlei para a ala LGBT+ do presídio, onde atualmente estão 75 pessoas em privação de liberdade. A disputa aconteceu na última quinta-feira (18).
“O dia de hoje é para lembrar e reforçar que vocês são uma comunidade, que devem se fortalecer, se respeitar e juntos lutarem contra a LGBTfobia. Nós estamos aqui para todas as pessoas, independentemente se estão privados ou não de liberdade”, ressaltou o coordenador do CECLGBT+ (Centro Estadual de Cidadania LGBT+), Jonatan Espíndola.
Jonatan ainda pontuou todos os serviços oferecidos pelo Centro Estadual de Cidadania LGBT+, ligado à Subsecretaria LGBTQIA+, como as orientações, solicitação de carteirinha com nome social, além da equipe psicossocial.
Psicóloga do Centro Estadual de Cidadania LGBT+, Gabrielly Antonietta Lima reconheceu rostos de visitas anteriores, e destacou a importância da ação no IPCG. “É imprescindível falar da diversidade em todos os espaços, sem a diversidade, a gente não avança como sociedade”.
O torneio levou rede e bola para dentro do Instituto Penal de Campo Grande, e teve Mikaella Lima, árbitra da Federação de Vôlei de Mato Grosso do Sul e atual presidente da ATMS (Associação de Travestis e Transexuais do Mato Grosso do Sul), no apito.
Com 1,75m de altura, Mikaella que é jogadora de vôlei profissional entrou na quadra não só com a missão de apitar.
“Para fomentar o lazer, a saúde, e é uma forma de conscientizar as pessoas trans que estão aqui, para que elas saibam que tem oportunidade aqui fora. Mulher trans pode chegar em qualquer lugar, pode ser jogadora, pode ser árbitra”, enfatizou.
Antes de dividir os times, Mikaella fez questão de dizer que é a primeira árbitra trans do País registrada na Confederação de Vôlei, além de ser jogadora e bicampeã pelo time da AABB. “Eu estou aqui para dar exemplo, lá fora a gente pode ser quem a gente quiser. E eu espero jogar contra vocês lá fora, ou até no mesmo time”, compartilhou.
Debaixo de sol, o torneio colocou quatro times na quadra, mas a temperatura era o de menos. O que importava mesmo ali era correr, sacar, dar toque, manchete ou fazer o bloqueio. A cada ponto feito, quem estava jogando gritava para saber do placar.
Quem não se animou a jogar, aproveitou para pôr a cara no sol, deitar e olhar o céu sem se preocupar com o tempo.
Policial penal e psicóloga no IPCG, Patrícia Gabriela Magalhães, descreve na prática o que significa uma tarde como essa, de visitas e jogos. “Descontrai o ambiente, eles ficam bem, minimizam os conflitos em cela. É uma amostra da liberdade, e isso para eles é importante”, frisa.
A equipe vencedora foi a X3, que leva no nome o número de cela. Para a capitã do time, uma mulher trans de 22 anos, cabelos trançados e brinco de argola, mais do que a vitória, o bacana foi ter este olhar. “Foi muito legal que vocês vieram e se preocuparam com a gente”, diz.
Jogador, um homem gay de 40 anos, agradeceu a torcida, e mais do que erguer a taça, ele celebrou a liberdade, ainda que temporária, de estar fora da cela. “É bem sentir, é a mesma coisa de estar na rua”.
Com o time vencedor premiado, a comemoração foi de abraços. E antes de voltar à cela, uma travesti de 24 anos resumiu a visita ao se despedir da árbitra Mikaella Lima.
“Eu quero ser que nem você, eu quero conseguir sair daqui e ser que nem você”.
Para a árbitra, a fala trouxe uma mistura de sentimentos, ora alegria, ora tristeza. “Triste por ver as manas aqui, mas com a esperança de vê-las lá fora, e de ser um exemplo para que elas possam pensar em outras atividades”, finaliza Mikaella.
Paula Maciulevicius, Setescc