Campo Grande (MS) – Março foi um mês atípico para municípios e Estados, a pandemia do novo coronavírus mudou a rotina de todos (as), aliás ainda estamos enfrentando dias difíceis de isolamento social e home office.
A Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para Mulheres havia programado um mês intenso de atividades na capital e nos 45 municípios que possuem Organismos de Políticas Públicas para Mulheres, em alusão ao Dia Internacional da Mulher (8 de março) – no entanto, essas ações foram canceladas para evitar aglomeração de pessoas que pudesse causar a propagação do COVID-19.
A campanha trouxe para a reflexão “O protagonismo das mulheres sul-mato-grossenses tem a ver com mais respeito aos direitos, mais igualdade de oportunidades e maior participação nas decisões”, exemplificando que vencer o preconceito e a discriminação tem a ver com todos nós, com toda a sociedade.
Ao falar sobre o tema, a subsecretária Luciana Azambuja destaca que “nos últimos anos, as mulheres têm alcançado posições de liderança em cargos estratégicos e reconhecemos a importância da participação das mulheres nessas posições numa sociedade democrática, mas ainda falta muito para alcançarmos a verdade equidade de gênero. Por isso, nossa campanha de março é executada todos os dias do ano. Por isso, a divulgação de histórias de superação de mulheres que nos inspiram e que servem como exemplos de vida”, referindo-se aos vídeos e às entrevistas com mulheres de diferentes segmentos, que contaram um pouco de seus desafios e suas conquistas.
Conversamos com algumas dessas mulheres que integram a administração do Governo do Estado e que provam diariamente que a luta por igualdade de gênero tem surtido efeito. Elas nos falaram sobre o sentimento de ocupar cargo de liderança, as renúncias diárias, o machismo enfrentado e, para finalizar, deixaram um conselho para outras mulheres. Vamos às suas histórias:
10 anos completados em março deste ano como Delegada de Polícia, Paula Ribeiro dos Santos, desde 2016 comanda da Delegacia de Atendimento à Mulher (DAM) de Dourados, atuando diariamente no enfrentamento a todas as formas de violência contra meninas e mulheres. Sentimento: “De muita honra e muita responsabilidade”. Renúncias: “Principal renúncia sem dúvida é de passar tanto tempo longe da família”. Machismo: “Ainda muito presente por parte dos investigados, quando veem a figura de uma Delegada é uma afronta ainda maior. Não aceitam serem presos por mulheres e frequentemente querem se dirigir somente aos homens da equipe”. Conselho: “Já percorremos longos e tortuosos caminhos para conquistar muitos direitos, mas a luta continua. Precisamos lutar ainda mais para tentar modificar a cultura machista e patriarcal ainda tão presente em nossa sociedade. (…) nosso propósito é poder garantir uma vida sem violência a todas as mulheres e crianças”.
“Comandar pessoas não é algo simples, comandar homens, requer tato redobrado!”, essa frase é da Subtenente da Polícia Militar Edilaine Mansueto Alves, que faz parte da corporação desde 1998. Atualmente trabalha na Força Tática do 1º Batalhão, responsável pela área central de Campo Grande. Sentimento: “O que realmente prevalece no ambiente de trabalho é sua técnica profissional. Através de conhecimento e demonstrando na prática, adquirimos respeito. (…) Amo e me orgulho muito da profissão que escolhi para vida: ser Policial Militar. Renúncias: “Como sempre busquei evolução, tanto técnica quando física, muitas vezes me abdiquei de estar mais presente, próxima das pessoas que amo, seja família, seja amigos… de viagens, saídas nos finais de semana. Mas cada escolha uma renúncia (…)”. Machismo: “No começo da carreira, com pouca e experiência acredito até que tenha ocorrido, mas em forma de “piadinhas” (…). Trabalho com colegas quase na totalidade formada por homens, não me sinto e nem permitiria me diminuírem devido a diferença de gênero. Todos me respeitam”. Conselho: “Se você tem um sonho, dedique todas suas forças até conquista-lo. Não pense que as pessoas que hoje ocupam lugares de destaque, conseguiram as coisas de maneira fácil. Cada um sabe sua guerra, as abdicações que fez para chegar ou ser quem é hoje. Confesso que nem sempre é fácil, nem sempre estaremos motivados, nesta hora que a disciplina faz a diferença”.
Coordenadora de Psicologia Educacional da Secretaria Estadual de Educação (SED), Paola Nogueira Lopes, é Psicóloga e Neuropsicóloga formada pela USP, além Mestre em Educação pela UFMS. Atua em uma pasta estratégica dentro da Secretaria, lidando com a diversidade e especificidades dos alunos da Rede Estadual. Sentimento: “Responsabilidade e comprometimento com o trabalho que desenvolvo a frente da Coordenadoria de Psicologia Educacional”. Renúncias: “Algumas renúncias relativas ao convívio familiar, já que as especializações e a formação profissional demandam uma parte do meu tempo”. Machismo: “Por trabalhar em uma Secretaria chefiada por uma mulher, não enfrento este tipo de problema entre meus pares. Apesar de ter consciência que a questão no macro e de uma forma geral é um assunto extremamente pertinente, acredito que tenho sorte em trabalhar com pessoas que tem uma visão mais democrática e humana”. Conselho: “(…) Acreditem na força e no potencial que cada uma tem. Sejam a mudança e a transformação que tanto pedem ou almejam. Tudo é aprendizado”.
Há 26 anos exercendo com dedicação e honrando o juramento realizado a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, que traz junto o sentimento de recompensa, responsabilidade e gratidão. É com essas três palavras que a Tenente Coronel QOPM Neidy Centurião, Chefe da Comunicação Social da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, descreve o sentimento pelo cargo que ocupa. Sentimento: “Trabalhar no Estado Maior Geral da instituição, onde é realizado o planejamento institucional, onde fica a direção da Policia Militar é um reconhecimento, por todo meu trabalho realizado até aqui”. Renúncias: “Houveram renúncias, mas acredito que em toda carreira existem, e as minhas renuncias não me fizeram frustrada, pelo contrário, foram escolhas pessoais, tempo de muito trabalho e estudo para chegar até aqui”. Machismo: “Nunca senti o machismo interno, sempre tive muito apoio dos parceiros de trabalho, na rua é que tive dificuldade de reconhecimento do trabalho, tive que prender algumas pessoas pelo desrespeito e agressão no atendimento de ocorrências”. Conselho: “As mulheres devem buscar seus sonhos, não se intimidarem porque somos capazes e podemos alcançar tudo a que nos dispusermos, sempre trabalhem com dedicação, conhecimento, foco e resiliência e chegarão onde quiserem”.
A Chefe de Gabinete do Subcomandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMS) e Assistente do Comandante-Geral do CBMMS, Geísa Maria Romeiro está há 17 anos na corporação e foi a 3ª mulher a ingressar na Corporação, dedicando-se diariamente a salvar vidas. Sentimento: “Cada passo na carreira traz o sentimento da gratidão pelas oportunidades que a vida e a Corporação nos dá diariamente, servir e contribuir para com o bem-estar da nossa sociedade. De modo simultâneo, cresce o sentimento da responsabilidade com o foco de prestar um serviço de qualidade crescente aos públicos interno e externo do CBMMS (…)”. Renúncias: “A profissão bombeiro militar, por sua natureza de dedicação exclusiva, e pelo compromisso que assumimos de servir e proteger a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida, resulta em inúmeros momentos de renúncia ao convívio familiar, mudanças na rotina e planejamento pessoal, ante as missões emergenciais e de cumprimento do dever”. Machismo: Como terceira mulher a ingressar na Corporação, vivi os momentos de adaptação do público interno e da população à participação direta da mulher no meio bombeiro militar no estado, um momento de dúvidas de alguns sobre como seria a nova realidade da instituição com a presença feminina em seu efetivo, se “daríamos conta do recado”, se realmente seríamos capazes de exercermos com maestria uma profissão tão complexa. Todavia, a Corporação tem por pilares a hierarquia e a disciplina, o que faz com que esses comportamentos não resultem em ações diretas à pessoa. Por outro lado, recebi muito apoio e incentivo ao longo da carreira e aprendi muito com meus antecessores. O passar do tempo e a preocupação da Corporação com as questões de gênero resultaram na introdução da disciplina de Relações de Gênero nos cursos de formação e aperfeiçoamento, à qual tive a oportunidade de ministrar, na Academia de Bombeiro Militar desde 2007, o que associado à evolução social (…)”.
Conselho: “Nós, mulheres temos a grande missão de construirmos juntas uma sociedade melhor, mais igualitária e cabe a nós exercermos a sororidade umas para com as outras. (…). Cada mulher que conquista seu espaço é inspiração e referência para todas nós prosseguirmos na caminhada rumo à equidade. Que construamos um país em que possamos realizar os nossos sonhos, ser, na vida, aquilo que cada uma deseja ser e, principalmente, sermos felizes”.
Karina Luiz Pereira Quaini, Gerente-geral de Desenvolvimento de Atividades Desportivas da Fundesporte, é Graduada em Educação Física pelo Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran). Sentimento: “De empoderamento, responsabilidade, comprometimento e valorização”. Renúncias: “No momento em que escolhi esta profissão, foi uma escolha baseada no estilo de vida que acreditei ser ideal para mim. Não considero como renúncia e sim como escolha”. Machismo: “Senti um certo preconceito no início da carreira por ser mulher e estar inserida na área do esporte. No entanto, acredito que isso está diminuindo a cada ano”. Conselho:” Acredite em seu potencial. Sozinhas somos fortes, juntas somos imbatíveis”.
Desde 2015 a frente da Superintendência da Política de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (SEDHAST), Ana Lúcia Américo é assistente social, Mestre em meio ambiente e desenvolvimento regional, professora universitária e perita social. Sentimento: “Enaltecimento, gratidão e comprometimento com uma política de atua em prol da pessoa humana. O que me gratifica enquanto profissional, mulher, mãe, filha esposa enfim com ser humano”. Renúncias: “Tempo a ser disponibilizado aos filhos, casa, família. É preciso ter prioridades, e saber que não somos onipresentes (…)”. Machismo: “Machismo e algo que infelizmente começa às vezes na figura do próprio genitor. (…) Nos empregos alguns desafios pois alguns homens acham que como somos mulheres podem erguer o tom de voz, mas tive uma mãe guerreira que me ensinou a não me dobrar sob pressão ou gritos e sim agregar por meio do respeito”. Conselho: “Precisamos lutar pelos nossos sonhos, somos capazes”.
Formada em Medicina Veterinária pela Universidade de Marília e com mestrado em Ciência Animal e Pastagem pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP, atua desde de 2009 junto a política pública para o agronegócio. Atualmente assumiu a coordenação da pasta de ciência, tecnologia e inovação da Secretaria de Estado de Meio ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (SEMAGRO), realizando projetos junto às instituições de ensino, pesquisa e terceiro setor. Sentimento: “Estar num cargo de destaque é poder ter a oportunidade de fazer sempre melhor em prol das pessoas, é um reconhecimento da sua competência comprometimento com a função”. Renúncias: “Muitas renúncias podem e devem ser feitas no decorrer da carreira. Principalmente quando vem a maternidade. É uma escolha. Terceirizar a educação e a criação das crianças ou assumir por completo. Tentei conciliar as duas. Tentando ser uma profissional comprometida e uma boa mãe. Acredito que nesses dez anos tenho alcançado bons resultados”. Machismo: “Sempre. Não sou a mais feministas das feministas. Mas exijo respeito não só por ser mulher. Por ser gente”. Conselho: “Exija sempre seu espaço. E não desista nunca!”
Elijane Coelho é publicitária formada pela UCDB, educadora física pela UFMS, especialista em aprendizagem motora pela USP. Gestora de Atividades Gerais de Trânsito no Detran-MS desde 2006, e em outubro de 2018 assumiu o cargo de Diretora de Educação para o Trânsito do órgão. Sentimento: “De missão a cumprir. Nunca almejei um cargo de direção e sim fazer um trabalho que seja relevante para as pessoas. (…) é um reconhecimento, sou grata, mas pode mudar amanhã, a missão e o empenho em cumpri-la com eficiência permanecerão”. Renúncias: “Renúncia não, algumas escolhas, afinal não dá pra fazer tudo (e eu gosto de fazer muitas coisas). (…) para manter essas atividades com qualidade abri mão das funções de liderança na igreja, onde atuei por muito tempo. Hoje mantenho minhas práticas religiosas no dia-a-dia, sem frequentar ou colaborar na organização de eventos”. Machismo: “Nesta função de diretora de educação para o trânsito não percebi nada nesse sentido (…). Na banca examinadora, onde trabalhei aplicando os exames práticos de direção, isso era bem explícito. Tanto candidatos, instrutores e até colegas vez ou outra manifestavam alguma coisa de que aquela função não era pra mulheres. Por outro lado, também tinha aqueles que preferiam fazer suas provas com mulheres, por serem mais atenciosas. Conselho: “Ouça todos os conselhos e siga aquele que vier da sua intuição. Afinal, quem sabe da sua vida é você”.
Para a subsecretária Luciana Azambuja, a mensagem é de persistência e dedicação: “que nossas renúncias sejam recompensadas com o reconhecimento do nosso trabalho; que o machismo e o sexismo sejam página virada num futuro próximo; que possamos todas ter o sentimento de liberdade e experimentar viver sem violência – e que todas as mulheres sul-mato-grossenses procurem conhecer e exercer seus direitos; afinal, não estamos pedindo nada além do que já nos é assegurado: respeito, dignidade e igualdade.”
Fotos: arquivo pessoal.